A review by agneix
Il mare non bagna Napoli by Anna Maria Ortese

5.0

caralho.
tem uma parada meio dilacerante e doce ao mesmo tempo que me destruiu um pouco.
é um livro de contos ambientados numa nápoles que parece eternamente em luto e em festa, fantasmagórica e cheia de vida, silenciosa e barulhenta, frenética e quase indiferente. enfim, a narradora (que é a própria ortese) tá "despaisada", mas o senso de perda parece maior do que só da pátria, é uma coisa que permeia tudo e é incontrolável. é com certeza um efeito da guerra e as mudanças que vieram depois, a presença dos americanos, a urbanização, a língua que muda. as pessoas estavam completamente perdidas e desesperançadas. só que tem alguma coisa que parece meio permanente, algo que antecede a guerra. algo que sempre esteve ali, à espreita. a narrativa traz essa melancolia com uma delicadeza muito comovente, às vezes de um jeito muito cruel (a história do menininho cego e órfão me atormenta).
eu gosto muito do ritmo da ortese e parece que ela envolve a gente sem muito esforço, mesmo nas frases mais longas, com zilhões de intervenções, detalhes, comentários, que vão meio no ritmo do pensamento mesmo. a gente acompanha e vai criando uma imagem complexa de um fragmento do todo (o todo sempre se perde, tá lá junto do mar).
tem, claro, uma documentação subjetiva de como são os napolitanos e a cidade, a cultura, especialmente entre os mais pobres e os intelectuais falidos, que é também bastante interessante, e rola uma ideologia política (às vezes totalmente explícita, mas na maioria das vezes numa construção mais elegante) que é dos derrotados mesmo. mas o que me pegou acho que foi outra coisa. é uma crueldade que a gente sabe que existe e que às vezes parece ser só da vida mesmo, da condição humana, inescapável. e junto dela muita compaixão.
enfim, sempre curti o título e a narrativa direto tem momentos bem sacados assim.