A review by thebookthiefgirl
A Viagem do Elefante by José Saramago

4.0

“Sempre chegamos ao sítio onde nos esperam” é talvez das citações que não me sai da cabeça, que se tornou ainda mais vívida depois de visitar a Fundação Saramago em Lisboa e de ver o documentário “Pilar e José”, no ano passado. Nas palavras do próprio autor, “Foi preciso que os ignotos fados se conjugassem na cidade de Mozart para que eu pudesse ter perguntado “Que figuras são aquelas?”. E assim Saramago conhece a história de um elefante que, no século XVI, foi oferecido ao arquiduque Maxmiliano da Áustria pelo monarca português D. João III.

Claro que essa história me diz tudo. Não apenas por ter vivido uma temporada em Viena e a viagem do elefante Salomão, mais tarde Solimão, com o seu inseparável conarca Subhro, me ter levado a percorrer os caminhos de Portugal, Espanha, até a terras italianas, percorrer Tyrol, Innsbruck, as montanhas alpinas cobertas daquela farinha tão branca que o autor descreve, o rio Donau e a doce Viena, onde o elefante salva uma criança e recebe um fatal destino.

✨“(…) não é possível descrever uma paisagem com palavras. Ou melhor, ser possível, é, mas não vale a pena. Pergunto se vale a pena escrever a palavra montanha se não sabemos que nome se daria a montanha em si mesma.”✨

Receber esta edição comemorativa do centenário de Saramago e voltar a Áustria foi indescritível para mim.❤ Há livros que dizem mais a umas pessoas do que outras. Não só pelas circunstâncias em que recebemos os livros, mas também como vivemos as leituras, como nos identificamos com elas. A genialidade da obra não está na viagem do elefante em si, que poderá parecer vazia e aborrecida, mas na viagem da humanidade, desde o momento em que nascemos até à nossa morte. Como o destino está construído a partir de pequenos acasos e como o mundo não é igual para todos.

✨“(…) o não querer e o não saber se confundem numa grande interrogação sobre o mundo em que o puseram a viver, aliás, penso que nessa interrogação nos encontramos todos, nós e os elefantes.”✨

Sendo marca caraterística do autor, há a crítica à hierarquia, às aparências e ao contexto político da época e , indiretamente, qualquer época histórica. À pequenez de terras como Algarve e Vipiteno que passam despercebidas perante os "grandes". Como sempre, Saramago promete-nos passagens cómicas a partir de coisas tão sérias que chegamos à conclusão que afinal não têm assim tanta piada, por serem tão verdade.

✨“(…) em um elefante há dois elefantes, um que aprende o que se lhe ensina e outro que persistirá em ignorar tudo, Como sabes disso tudo, Descobri que sou tal e qual o elefante, uma parte de mim aprende, a outra ignora o que a outra parte aprendeu, e tanto mais vai ignorando quanto mais tempo vai vivendo, (…)”✨

Deixa-me ligeiramente triste que este livro tenha sido escrito na altura em que o governo de Cavaco Silva repudiou Saramago e este estivesse em Lanzarote quando , de forma interrupta devido à doença, escreveu este livro. Como o único Prémio Nobel da Literatura que tivemos só fosse muito mais apreciado depois da sua morte.