A review by inesscm
Crónicas do Mal de Amor by Elena Ferrante

4.0

Uma coletânea muito interessante, que nos mostra um lado mais cru e violento, mas nem por isso menos brilhante, de Elena Ferrante. As três histórias revolvem à volta da relação entre mãe e filhos, através de diferentes perspetivas, mas sempre com uma franqueza (e, em certos casos, brutalidade) que põe a nu o lado mais negro dessa relação, com todos os seus pontos negativos e momentos fraturantes. Histórias muito reais, que não romantizam a maternidade, dando-lhe antes uma nova narrativa mais cinzenta.

As diferentes formas como a autora explora esta temática são muito distintas, mas todas são pontuadas pela voz única e diferenciadora de Ferrante.

Um Estranho Amor - 3 estrelas
Nesta história, acompanhamos Delia nos dias que se seguem ao funeral da sua mãe, Amalia, enquanto tenta perceber as circunstâncias da sua morte. Esta procura leva Delia a refletir na relação que manteve com Amalia ao longo da sua vida, bem como a mergulhar nas suas recordações de infância. As constantes sobreposições de presente e passado, na narrativa de Delia, levam-nos a questionar quanto do que lemos é atual, memória, ou reinterpretação de momentos passados. Acompanhamos Delia na sua busca pela verdade, não só sobre a morte da mãe, mas sobre vários momentos marcantes da sua infância.

Embora não tenha ficado particularmente agarrada a nenhuma das personagens, há um tom sufocante e de urgência que nos impele a ler mais. Elena Ferrante consegue criar uma atmosfera inquietante ao redor da personagem principal que mostra quão exímia é a sua capacidade de escrita.

Os Dias do Abandono - 4 estrelas
Neste segundo conto, acompanhamos Olga nos meses que se seguem a uma separação forçada e a forma como este acontecimento impacta a sua vida e dos seus filhos. Esta é uma história difícil de ler, que se torna cada vez mais desconfortável à medida que avançamos na história. Acompanhamos Olga no seu processo de luto pessoal, que é acompanhado por uma crescente insanidade e que a leva (e a nós, leitores) para o fundo do abismo. É uma história que choca, pela forma como é construída - subtil ao princípio, em queda-livre a partir da metade.

Uma vez mais, a forma exímia como Ferrante consegue descrever o degradar do estado mental de Olga é brilhante e assustadora em igual medida. O estilo narrativo torna-se mais errático, repetitivo, brutal, e vamo-nos afundando lentamente, com a personagem. Muitas passagens são verdadeiramente chocantes. Uma experiência de leitura muito perturbadora, que não recomendo a quem não se encontre num bom momento.

A Filha Obscura - 4.5 estrelas
Na última história, acompanhamos Leda, uma mãe que se depara com a realidade da ausência das filhas, após a chegada das mesmas à vida adulta. Seguimos o seu dia-a-dia durante umas férias, nas quais vai estabelecendo uma nova rotina mais solitária. No entanto, uma família com a qual se cruza na praia leva a reflexões mais profundas sobre os anos da sua vida que dedicou às filhas, durante o crescimento de ambas. Alternando entre presente e passado, vamos acompanhando Leda enquanto reflete sobre oportunidades perdidas, projetos abandonados e ambições não concretizadas em prol das filhas, ao mesmo tempo que desenvolve uma fixação que a leva a agir de forma imprudente, desenvolvendo-se um enredo com alguma tensão e com consequências inesperadas.

Este foi, dos três contos, aquele que mais me lembrou da Elena Ferrante que conheci na tetralogia da Amiga Genial, incluindo nalguns dos temas que toca e na construção da personagem principal que, em certos momentos, me lembraram Lenú e a sua história. Embora seja o conto com uma premissa mais simples, não deixa de levar a reflexões muito interessantes sobre o que é ser mãe e os sacrifícios que esse papel acarreta.