A review by emannuelk
Mr. Know-It-All: The Tarnished Wisdom of a Filth Elder by John Waters

3.0

Eu sou dessas pessoas que acha decepcionante que em algum momento ali pela virada do milênio a ideia de "politicamente incorreto" foi apropriada pela direita. E que, mesmo com a ascensão do conservadorismo nos últimos anos, a esquerda não voltou a reclamar esse campo que é seu por direito. Pois a ideia de rebeldia, de ir contra o stablishment, é muito poderosa. John Waters vem de um tempo no qual o politicamente incorreto estava intrinsecamente associado às políticas progressivas. E ele traz essa posição para os dias de hoje. É só mostrar qualquer das obras de Waters para os protofascistas que acreditam em coaching e empreendedorismo para essa pessoa ter um choque com o que realmente é o politicamente incorreto. E não é só essa galera que ficaria chocada com as obras do diretor e escritor. Embora os religiosos e carolas provavelmente vomitariam na maior parte dos filmes ou capítulos imaginados por Waters, tem muito aqui que deixe desconfortável mesmo os progressistas pouco radicais de hoje em dia. A primeira parte do livro é uma atualização na autobiografia do artista, com capítulos voltados para seus últimos filmes. Mas isso ocupa apenas cerca de um terço do livro. Depois disso, passam a ser temáticos, com altos e baixos. O capítulo sobre música ou como até mesmo o mercado de arte feita por macacos é afetado pela misoginia são ótimos. O sobre comida, nem tanto. Alguns dos capítulos quase parecem contos. Mas o ponto forte é o espírito desafiador. Que une toda a estética de Waters em um ato político. Sim, o autor é ativista pelos direitos LGBTQIA+ há décadas, e a maior parte de seus filmes protagonizava pessoas trans já nos anos 1970, então não é uma surpresa. Mas é um lembrete do valor que o choque tem enquanto ação política. Muitas pessoas duvidam da capacidade política da arte de mudar o mundo real. Acho que é porque, para conseguir isso, a arte precisa ser audaciosa como a de John Waters.