A review by ensaiosobreodesassossego
O Jogador by Delfim de Brito, Fyodor Dostoevsky, Fyodor Dostoevsky

4.0

'O jogador' é cheio de mistérios e reviravoltas e, como não podia deixar de ser num livro de Dosto, repleto de personagens muito carismáticas (e dramáticas). A melhor personagem é a "baboulinka" (a avó), uma senhora paraplégica de 75 anos que, quando todos pensavam que estava às portas da morte, decide fazer uma entrada triunfal na história e se comporta como uma rainha sem papas na língua. Para terem noção, toda a família - atolada em dívidas - está à espera que a matriarca morra para poderem receber a herança, e esta não só não morre, como dá cabo da fortuna toda na roleta. Esta figura traz um ambiente muito mais leve e divertido, nada usual nos livros do autor.

Segundo Dostoeivski, os russos são muito susceptíveis ao jogo e ao vício e os casinos são, sobretudo, um íman para os vigaristas. Dosto também critica os endinheirados russos que naquela época imitavam tudo o que era europeu, desde a forma de falar até à roupa que usavam. Mas o autor não se fica por aqui, já que também critica veementemente polacos, alemães, ingleses e, especialmente, franceses. Ninguém escapa ao roast

Contudo, também temos a parte séria. Mergulhamos na cabeça do protagonista, um homem perturbado não só pelo jogo, mas também pela paixão louca por uma mulher. É através das palavras do narrador que nós - meros mortais não viciados no jogo - conseguimos mergulhar e perceber a experiência e emoções de um jogador, sem precisarmos necessariamente de a viver.

Claro que temos muitos conflitos psicológicos aqui, muita análise à natureza humana. E Dosto faz isso como ninguém.
O protagonista não joga pelo dinheiro, mas sim para sentir as emoções e sensações que sente quando joga, quando tem o dinheiro. A sensação de ser vitorioso. Crescer perante si mesmo e os outros. O ego e o complexo de superioridade. O autor retrata a a natureza humana de forma bastante crua e é inegável que tinha um talento especial para explorar o aspecto psicológico do ser humano.

O próprio Dosto foi viciado no jogo e durante grande parte da sua vida viveu com muitos problemas financeiros. Por um lado, graças a Deus, porque foi assim que ele escreveu o livro da minha vida, os Irmãos Karamazov (que eu preciso de reler urgentemente)

Só mesmo Dostoievski para pegar num vício de que ele próprio sofria e transformá-lo em literatura de excelência.