A review by ana_ribeiro
Gaveta de Papéis by José Luís Peixoto

5.0

Neste livro, o autor leva-nos numa viagem poética especial, única e mágica por alguns dos elementos que o leitor poderá deduzir que o autor guardará dentro de uma gaveta, nesse sentido, o livro é dividido em diversas partes: fotografias de cidades, documentos, chaves, recortes de jornal, tarefas domésticas entre outros.

Dentro de cada um destes pequenos capítulos José Luís Peixoto presenteia-nos com textos poéticos incríveis, de uma qualidade ímpar e rara que nos leva a viajar por cada um dos elementos que dividem o livro como se eles próprios ganhassem vida.

É difícil não se ficar rendido a este livro, pequeno; mas com textos belíssimos de grande qualidade.

Gostei particularmente da forma como ele descreveu algumas cidades: portuguesas e estrangeiras no capítulo que abre o livro: “Fotografias de cidades”, como se as cidades se transformassem num ser humano. É brilhante.

Recomendo vivamente a leitura deste livro.

Garanto-vos que vale a pena.

Partilho dois dos poemas que mais gostei deste livro:

Sozinho, chego a uma cidade saqueada
e caminho com vagar, os braços quase
parados, olho para as portas abertas,
o que sobrou está espalhado nas ruas,
o ar é limpo porque ninguém o respira,
esta cidade, este silêncio, esta cidade,
tenho na pele do rosto o contrário
do choro de uma criança, esse tempo
já passou, tenho tranquilidade séria
e erosão porque esta é a nossa cidade
e porque sei que não te vou encontrar
quando chegar a casa, minha mãe.

FOTOGRAFIA DO PORTO

O Porto é uma menina a falar-me de outra idade.
Quando olho para o Porto sinto que já não sou capaz
de entender a sua voz delicada e, só por ouvir, sou
um monstro que destrói. Mas os meus dedos são capazes
de tocar-lhe nos ombros, de afastar-lhe os cabelos.
Entre mim e o Porto, existem milímetros que são
muito maiores do que quilómetros, mesmo quando
os nossos lábios se tocam, sobretudo quando os nossos
lábios se tocam. De que poderíamos falar, eu e o Porto,
deitados na cama, a respirar, transpirados e nus?
Eis uma pergunta que nunca terá resposta.