A review by ritaralha
Revolução by Hugo Gonçalves

4.0

Era uma criança, mas vivi o 25 de Abril de forma muito intensa.
Tinha chegado a Lisboa um mês e 21 dias antes e, a par com a descoberta do que era a televisão, é a minha memória mais nítida daquele tempo.
Recordo-me de que o meu pai tinha um Mini e que, na euforia do momento, fomos ver a revolução nas ruas de Lisboa. Eu e o meu irmão íamos doidos no banco de trás com a quantidade de pessoas que andavam nas ruas e, com os dedos a fazer o sinal de vitória, gritávamos: "O povo unido jamais será vencido".


Tenho muitas memórias deste período que atravessa o livro: desde a chegada de Mário Soares e Álvaro Cunhal a Lisboa, à comemoração do 1º de Maio na Alameda, à intentona do 11 de Março de 1975 e ao 25 de Novembro de 1975. Creio que, por ter chegado há pouco tempo ao país, ainda não ter amigos e a televisão ser uma novidade para mim, fez-me estar sempre demasiado atenta a tudo isto. Acho que no fundo eu sabia que esta revolução que acabava de acontecer seria o motivo para nunca mais regressar à minha terra.

Fui colega de carteira da neta do Pinheiro de Azevedo durante o período em que foi primeiro-ministro. Tive que ir com os meus avós para a casa de praia de uma tia, em Sesimbra, para que os comunistas não a ocupassem por estar vazia. Vi a tropa com chaimites em Lisboa. Lembro-me de num fim-de-semana termos ficado horas dentro do carro para atravessar a ponte sobre o Tejo porque tinham roubado armas e desconfiava-se que iam fazer um atentado em Lisboa. Enfim, vi e vivi muita coisa, mas isto aqui não é o canal memória da RTP.

Revolução acompanha a história da família Storm durante os meses turbulentos que antecederam e sucederam ao golpe militar de 1974. E, como em todas as famílias, não há unanimidade na forma de pensamento. Há simpatizantes do antigo regime, há conservadores, progressistas e extremistas, e é com eles que atravessamos o período mais conturbado da nossa democracia com o PREC (Processo Revolucionário em Curso), os excessos dos extremos ELP (Exército de Libertação de Portugal) e FP-25 (Forças Populares 25 de Abril), o Verão Quente de 1975 e com o golpe e contragolpe de 25 de Novembro de 1975 que ajudou a estabilizar a situação política e social.

Foi um período de grande instabilidade, mas também de profunda transformação. Acredito que é um período que necessita de ser mais conhecido e debatido porque foi crucial para compreender as dinâmicas sociais e políticas que moldaram o Portugal contemporâneo, destacando a importância da luta pela democracia e pelos direitos. Trouxe coisas positivas, como a liberdade de imprensa, a libertação de presos políticos, a melhoria nas condições de trabalho e o engajamento político. Simultaneamente, trouxe-nos também conflitos internos e a respectiva radicalização de alguns grupos no MFA. A polarização entre grupos de esquerda e direita criou tensões sociais significativas, resultando em episódios violentos, desorganização económica, inflação e desemprego. As coisas não foram um mar de cravos; houve alturas de muito medo, mas o PREC foi essencial para o estabelecimento de um regime democrático em Portugal, garantindo liberdades civis e direitos sociais que ainda hoje são pilares fundamentais da sociedade portuguesa.

O autor, nascido em 1976, é um filho da democracia e da liberdade. Embora não tenha vivido estes acontecimentos, isso não o impediu de, através de uma excelente pesquisa, escrever uma obra que é uma verdadeira aula de história, inserindo habilmente todos os momentos-chave na narrativa da família Storm.

A democracia não é permanente. É preciso lutar por ela todos os dias.
#25deAbrilSempre #FascismoNuncaMais.