A review by igormdemiranda
Os Sertões by Euclides da Cunha

5.0

Ao ler as primeiras páginas de 'Os Sertões' me surpreendi muito. Poucos escritores na história — só Marcel Proust e Antoine de Saint-Exupéry praticamente — haviam conseguido me emocionar pelas suas capacidades de escrita (não pelo que escrevem, mas como escrevem). E ali estava Euclides da Cunha fazendo o mesmo:

"Os próprios tiros mal quebravam o silêncio: não havia ecos nos ares rarefeitos, irrespiráveis. Os estampidos estalavam, secos, sem ressoarem; e a brutalidade humana rolava surdamente dentro da quietude universal das coisas..."

Dividido em 3 partes bastante distintas, 'Os Sertões' conta com uma parte inicial e poética sobre a terra sertaneja; uma parte intermediária que conta sobre o homem sertanejo, o aparecimento de Antônio Conselheiro e a formação do Arraial de Canudos; e a parte final, tratando das inúmeras incursões do exército para derrubá-lo.

Mas por que tanta vontade de vê-los cair?
O arraial de Canudos incomodava os fazendeiros dos arredores, já que muitos de seus funcionários os abandonavam para viver no lugar santo. Eles não podiam aceitar isso. E pra provar que espalhar notícias falsas já funcionava naqueles tempos, inventaram que o Arraial era anti-republicano. Foi o bastante para inflamar a população e as tropas que os tratavam como inimigos reais. Primeiro, com arrogância, depois, com receios, e por último, avassaladoramente. Por mais forte que o sertanejo fosse, não havia como enfrentar os exércitos de todos os cantos do Brasil. Eles aguentaram o quanto puderam, mas caíram.

Só lendo pude compreender que, apesar de falar sobre a batalha de Canudos e de uma das figuras mais notáveis da história brasileira (Antônio Conselheiro), o protagonista do livro é um e somente um: o próprio Sertão. Por isso, Euclides da Cunha estava tão certo em chamá-lo de tal forma. Foi o sertão que produziu aqueles homens duros que batalharam por meses com porções mínimas de paçoca e água. Foi o sertão e a sua força que abateram batalhões e batalhões que tentaram derrubar Canudos.
E foi o sertão que sobrou no massacre.

Ao fim, Euclides da Cunha para de relatar apenas jornalisticamente o evento. Ele parece realmente exaurido, estupefato pela barbárie, pela carnificina. Não há o que comemorar.

O homenageado da Flip desse ano merece todas as honras: 'Os Sertões' é um livro maravilhoso.