A review by acmarinho3
Time Shelter by Georgi Gospodinov

5.0

"If we are not in someone else's memory, do we even exist at all?"
Foi a minha estreia com Gospodinov e achei-o absolutamente fabuloso. Apresenta-nos uma história tão bem idealizada e construída que muitas vezes pensei que era não ficção. Este é um livro sobre Alzheimer. Na verdade, é muito mais do que isso, é um livro sobre a perda de memória enquanto pessoas e sociedade. Gaustine é apresentado pelo narrador como uma pessoa peculiar que decide abrir uma clínica do passado na Suíça. Cada quarto reproduz ao detalhe uma década específica, transportando os pacientes no tempo escolhido e permitindo-lhes aceder ao que resta das suas memórias que desvanecem. As pessoas mais ricas desejam viver nestes "time shelters" e investem o seu dinheiro em quartos da clínica. Se o livro num tom solene, falando delicadamente do Alzheimer, da dor (gradual, mas intensa) do esquecimento, chega a um momento em que decide ser político e crítico: foca-se na Europa e no seu desejo de ser um continente que vive preso no passado. Apresenta-nos vários países, entre os quais se encontra Portugal, e diz-nos em que ano ou década a sua população desejaria viver. Ilustra um mapa da Europa de acordo com os time shelter desejados. Portugal, por exemplo, ficaria no final de 1970, recentemente livres da opressão de um regime ditatorial, o nosso povo acredita que esse período foi o que fez dos portugueses mais felizes. Mas não estamos sozinhos, mesmo os países nórdicos preferiam essa década. Não se deixam enganar: é uma alegoria. Uma crítica profunda a um continente onde a extrema direita cresce a uma velocidade estonteante com a promessa de voltar a trazer grandeza ao país x, y e z. Nunca somos felizes com o que temos, daí esse desejo constante de querermos voltar ao passado, mas existe esta falha de memória, este esquecimento do mau que existiu. Seria 1970 uma época assim tão boa para os portugueses? Estaremos nós, europeus, a tornar o nosso dia-a-dia num regresso ao passado? Um livro brilhante e extremamente bem escrito. Dei por mim a reler vezes sem conta certas frases pela sua beleza, pelo seu impacto, pela sua verdade. Gospodinov mereceu ganhar o Booker Prize. É um livro fabuloso!