A review by rolandosmedeiros
The Happy Prince by Oscar Wilde

4.0

Não é à toa que o jovem Jorge Luis Borges, de maneira precoce, com dez ou nove anos, tenha decidido se empenhar em traduzir do inglês este conto do Oscar Wilde.
É uma fábula lindíssima; e triste: do jeitinho que a gente gosta.

É coincidência, no entanto, que já na sua primeira publicação assinada contenha virtualmente um tema que Borges será obrigado a encarar quase toda a sua vida: a cegueira. A certo momento O príncipe feliz cede seus olhos esmeraldinos para os necessitados da cidade, assim o faz com todo o seu corpo dourado, o rubi de sua espada, tudo que fosse "útil" para ajudar os outros.

É estranho ler esse conto depois de ter lido o famoso prefácio de Dorian Gray e toda a questão da amoralidade da arte. "El príncipe feliz" — na tradução do Borges — está imerso em crítica social e, principalmente, moralidade (cristã). Wilde ainda por cima brinca com a ideia de utilidade da arte, colocando alguns personagens-tipo na narrativa que se saem com colocações do naipe: “[El principe feliz] Ya que habiendo dejado de ser hermoso, ya tampoco era útil”; dijo el Profesor de Estetica de la Universidad". O contraponto utilidade versus inutilidade aparece também num outro personagem-tipo que se refreia de elogiar o príncipe feliz porque "depois de ter se tornado estátua, apesar de bela, já não era mais tão útil quanto costumava ser quando vivo."

Aí é que, para mim, reside a ironia. O melancólico conto de fadas, além de bonito — toda a sequência de cenas com a pequena andorinha que se apaixona por uma árvore dita egoísta, deseja superar o relacionamento voando pro Egito, e acaba magnetizada pela benevolência do Príncipe Feliz, é muito gostosa de se ler —, tem uma moral e um fim "útil". No fim, a conclusão da narrativa me parece a de que o povão não percebeu a "utilidade" ou o "bem" que fizeram a Andorinha e o Príncipe.

Isso de alguma forma anula a narrativa como peça artística? De jeito nenhum. Mas é interessante de se olhar para essas duas facetas do mesmo autor: isto aqui foi publicado apenas dois anos antes do Dorian Gray. E ambas as obras me parecem estranhamente díspares, apesar de ambas serem iguais no quesito de serem factualmente boas. Talvez caiamos aqui justamente no que Wilde aponta no prefácio de Dorian Gray: não há livros morais ou imorais, e sim boa literatura ou má literatura.

É um dos contos que vou levar comigo até a paternidade. É daquele tipo que tem de ser lido para outra pessoa, sobretudo para uma criança. Da turma do "Presente dos Reis Magos" do O. Henry, "As Nuvens" do Tabucchi e outras narrativas seletas.