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A review by nzagalo
Casa de Bonecas by Henrik Ibsen
5.0
É um clássico que faz jus ao rótulo. Trata o assunto do casamento em plena época Vitoriana, publicado em 1879, arriscando tudo contra a moral vigente, não podendo aqui revelar como o faz porque estragaria a experiência de quem ainda não leu. Mas posso dizer que a experiência hoje dificilmente se aproximará do horror que terão sentido muitos casais, acima de tudo os homens. Para se ter uma noção desse impacto, Ibsen, por modo a evitar que o tradutor alterasse a peça na Alemanha, viu-se obrigado a criar um final alternativo para que a peça pudesse ser ali encenada. Ibsen nunca se viu como feminista, mas a peça serviu que nem uma luva a causa e dificilmente não terá contribuído para as mudanças de costumes pela Europa fora.
Existe algo mais subterrâneo, a que cheguei só depois de alguma reflexão. O final do texto apanhou-me de tal forma de surpresa, que acabei por o qualificar de intempestivo. Ou seja, não apenas totalmente inesperado, mas com falta de suporte à personagem feminina na narrativa para que esta pudesse dar aquela volta. Contudo, depois de pensar sobre isto, dei por mim a questionar-me de outra forma. Se mesmo a esta distância o texto consegue surpreender-nos, e por-nos a questionar sobre o direito da personagem de reagir daquele modo, com a desculpa de que a personagem não apresentava, até ao momento, indicações para tal, como seria na altura? Questiono-me se não seria assim mesmo porque assim se tinha tornado aparentemente normal. Se os homens impunham uma visão, e as mulheres a aceitavam docilmente, então aquele modo de viver seria visto como o modo natural. Tudo o que saísse daquela visão seria sempre visto como anormal, e até anti-natura.
A nossa reação de espanto e incredulidade a tamanha capacidade reativa da personagem feminina não deve ser justificada segundo fraqueza narrativa, mas antes pelo contrário como modo expressivo poderoso do texto pelo modo como nos consegue colocar na pele daqueles a quem Ibsen queria falar com este seu texto. A nossa reação demonstra a incapacidade de perceber que algo que Ibsen apresenta durante os dois primeiros atos como absolutamente natural possa ser completamente virado de pernas para o ar. Ou seja, o que Ibsen consegue fazer com este texto é obrigar-nos a refletir sobre aquilo que são as crenças morais e a necessidade que temos, enquanto humanos, de estarmos permanentemente vigilantes quanto ao que parece ser normal e natural.
Existe algo mais subterrâneo, a que cheguei só depois de alguma reflexão. O final do texto apanhou-me de tal forma de surpresa, que acabei por o qualificar de intempestivo. Ou seja, não apenas totalmente inesperado, mas com falta de suporte à personagem feminina na narrativa para que esta pudesse dar aquela volta. Contudo, depois de pensar sobre isto, dei por mim a questionar-me de outra forma. Se mesmo a esta distância o texto consegue surpreender-nos, e por-nos a questionar sobre o direito da personagem de reagir daquele modo, com a desculpa de que a personagem não apresentava, até ao momento, indicações para tal, como seria na altura? Questiono-me se não seria assim mesmo porque assim se tinha tornado aparentemente normal. Se os homens impunham uma visão, e as mulheres a aceitavam docilmente, então aquele modo de viver seria visto como o modo natural. Tudo o que saísse daquela visão seria sempre visto como anormal, e até anti-natura.
A nossa reação de espanto e incredulidade a tamanha capacidade reativa da personagem feminina não deve ser justificada segundo fraqueza narrativa, mas antes pelo contrário como modo expressivo poderoso do texto pelo modo como nos consegue colocar na pele daqueles a quem Ibsen queria falar com este seu texto. A nossa reação demonstra a incapacidade de perceber que algo que Ibsen apresenta durante os dois primeiros atos como absolutamente natural possa ser completamente virado de pernas para o ar. Ou seja, o que Ibsen consegue fazer com este texto é obrigar-nos a refletir sobre aquilo que são as crenças morais e a necessidade que temos, enquanto humanos, de estarmos permanentemente vigilantes quanto ao que parece ser normal e natural.