A review by katya_m
Sobre Literatura by Umberto Eco

Ler Umberto Eco, na sua vertente não ficcional (mas também ficcional), prossupõe toda uma bagagem intelectual e literária absolutamente espantosa. Além disso, as suas paixões mais evidentes ficam muito claras nos seus discursos e, se a semiótica, Borges e Joyce não constam das nossas áreas de estudo ou recreação, o melhor é adiar a leitura destes ensaios para mais tarde (ou quiçá nunca).

Num conjunto de reflexões em que aborda estilo, formas de narrativa, influência, símbolo (etc etc) e toda uma miríade de assuntos pertinentes ao autor e a qualquer leitor curioso (quer se arrependa ou não após a sua leitura), Eco aborda também questões mais pessoais da sua atividade de escritor - neste plano nivelando-se mais com os leitores - como receios, ambições e práticas.

Faz uma leitura interessante, mas exigente. De todo um divertimento, mas antes um exercício de faculdades várias e de memória para regressar a muitos e muitos títulos e escritores, lidos e por ler, que desfilam por estas páginas.


"Eu tenho algumas experiências que creio serem comuns a quem quer que possua muitíssimos livros (eu agora tenho cerca de quarenta mil, entre Milão e as minhas outras casas) e considera uma biblioteca não só um lugar onde conservar os livros já lidos, mas sobretudo um armazém de livros a ler um dia ou outro, quando se sentir a sua necessidade. Ora acontece que sempre que o olho recai sobre um livro ainda não lido se é atacado pelo remorso.
Só que chega depois um dia em que, para se saber alguma coisa sobre um certo assunto, nos decidimos finalmente a abrir um dos muitos livros jamais lido, começamos a lê-lo e apercebemo-nos de que já o conhecíamos. O que aconteceu? Existe a explicação místico-biológica, que com o passar do tempo deslocando os livros, limpando-lhes o pó e arrumando-os de novo, através das pontas dos dedos a essência do livro terá penetrado pouco a pouco na nossa mente. Há a explicação do scanning casual e continuado: com o passar do tempo, ao manusearmos e arrumarmos os vários volumes, não é que nunca se espreite para um livro; mesmo só ao mexer-lhe, passava-se us olhos por algumas páginas, uma hoje, uma o mês que vem,e pouco a pouco acabou-se por lê-lo em grande parte, embora de modo não linear. Mas a explicação é que, entre o momento em que esse livro nos chegou às mãos e o momento em que o abrimos, se leram outros livros, nos quais havia algo que já dizia aquele primeiro livro, e portanto, no fim desta longa volta intertextual, descobre-se que este livro que não tínhamos lido também faz parte do nosso património mental e talvez nos tivesse profundamente influenciado."
127