A review by pedrorondulhagomes
Comboios Rigorosamente Vigiados by Bohumil Hrabal

5.0

Diz-se que o sentido de humor é um sinal de inteligência. A capacidade de olhar para o mundo, mesmo nas mais adversas circunstâncias, especialmente nestas, e encontrar o que em nós e nos outros há de risível, é por vezes a única alternativa ao colapso.

A tragicomédia tem uma longa tradição: desde a antiguidade grega, até ao teatro do absurdo, de inspiração existencialista.

A obra de Franz Kafka (incidentalmente compatriota de Bohumil Hrabal) tantas vezes vista como um pináculo da angústia existencial, também pode ser olhada do ponto de vista humorístico. Trata-se, é certo, de um humor subterrâneo, que se infiltra lentamente, em que o escritor mantém uma compostura de jogador de poker, mas que acaba por se revelar sob o peso do absurdo. Reza a história que o próprio tinha ataques de riso enquanto lia trechos aos amigos. E que haveremos de pensar da situação do pobre Gregor Samsa "quando certa manhã acordou de sonhos intranquilos" transformado num monstruoso insecto, mas cuja primeira preocupação é como ir trabalhar.

A estratégia de Bohumil é diferente. Os seus personagens são declaradamente tolos, mas ocasionalmente, inesperadamente, profundos.

A acção desenrola-se na Checoslováquia durante a Segunda Grande Guerra, sob ocupação alemã, onde os habitantes tiram um melhor partido possível da situação: a fuselagem da asa de um avião abatido transforma-se rapidamente em material de construção para coelheiras e galinheiros ou em belos protectores de pernas para motocicletas.

Desde logo o título tem também alguma coisa de cómico, não por si mesmo, mas no modo como é usado repetidamente ao longo da história. Da mesma forma que o "senhor chefe da estação" é sempre assim designado, por extenso. Este, aspirando a uma promoção iminente, vê o seu objectivo constantemente sabotado, resignando-se a gritar a sua má sorte para o poço de ventilação. Sabotado desde logo pelo comportamento libidinoso do sinaleiro, que avança corajosamente à vista de qualquer rabo de saia, carimbando o dito rabo da telegrafista com todos os carimbos disponíveis na estação ferroviária, para escândalo e admiração de todos. Sobretudo do mais jovem e tímido aprendiz, Miloš Hrma (o narrador), atormentado por uma ansiedade de desempenho que o fez "murchar como um lírio" perante os avanços da namorada no estúdio do tio - o sugestivo "pronto em cinco minutos". Salvo de uma tentativa de suicídio por um pedreiro, que mais tarde se revelou Deus, redime por fim a sua falta de confiança com a bela Viktoria sobre "o canapé forrado a oleado" do senhor chefe da estação enquanto ao longe bombardeavam Dresden.

Quem não percebe o quão risíveis somos, não percebe nada. Hrabal percebeu. Morreu caindo de uma janela do hospital enquanto tentava alimentar pombos.